Possibilidade de sindicato destacar honorário advocatício em sentença coletiva

Possibilidade de sindicato destacar honorário advocatício em sentença coletiva

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Julgados do STJ x Julgados do STF – Divergência patente

Como se sabe, a Primeira Seção do STJ afetou os Recursos Especiais 1965394, 1965849 e 1979911, de relatoria do Ministro Gurgel Faria, para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, vez que, no âmbito do colendo Tribunal há diversos recursos acerca da validade e eficácia do contrato coletivo de honorários advocatícios firmado por Sindicato, em que se advoga obrigar a todos, independentemente de assentimento pessoal do substituído.

O Tema 1175 do STJ tem como propósito a seguinte definição:

Necessidade, ou não, de apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados para que o sindicato possa reter os honorários contratuais sobre o montante da condenação.

Examinando-se a pletora de decisões do STJ sobre o assunto, vê-se que a tendência do colendo tribunal seria, indiscutivelmente, a de fixar a tese de que é de se exigir a celebração de contrato com cada um dos beneficiários do título executivo judicial, conforme os seguintes julgados:

(…) a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados nos termos do art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994″ (AgInt no REsp 1.894.684/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 24.6.2021). O contrato pactuado exclusivamente entre o Sindicato e o advogado não vincula os filiados substituídos, em face da ausência da relação jurídica contratual entre estes e o advogado. No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.967.189/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 1º.7.2022; REsp 1.892.644/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 31.8.2021; AgInt no REsp 1.892.645/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14.10.2021; e AREsp 2.078.896/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13.6.2022″ (AgInt no AREsp n. 2053573/PR, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 03.10.2022 – grifou-se), de onde se extrai:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO COLETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO CELEBRADO EXCLUSIVAMENTE PELO SINDICATO. DESTAQUE. IMPOSSIBILIDADE. (…) A leitura do dispositivo legal evidencia a possibilidade de indicação dos beneficiários que, ao optarem por adquirir direitos, assumirão as obrigações do contrato de honorários advocatícios a partir do momento em que originalmente celebrado. De outro lado, o contrato pactuado exclusivamente entre o Sindicato e o advogado não vincula os filiados substituídos, em face da ausência da relação jurídica contratual entre estes e o advogado. Em se tratando de sindicato representante de determinada categoria profissional, ainda que se reconheça a ampla legitimação extraordinária para defesa de direitos e interesses individuais e/ou coletivos dos integrantes da categoria que representa, inclusive para liquidação e execução de créditos, nos termos do art. 8º da Constituição da República, a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida quando tal ente juntar aos autos, antes da expedição da requisição, o contrato respectivo, que deve ter sido celebrado com cada um dos filiados, ou, ainda, a autorização destes para que haja tal retenção. (…) (AgInt no AREsp n. 2053573/PR, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 03.10.2022).

No mesmo rumo, ainda do STJ:

  • AgInt no AREsp n. 2.058.062/RS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, j. 26.9.2022;
  • EDcl no AgInt no AREsp 1811496/DF, Rel. Ministro Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), Primeira Turma, DJe 18/11/2021;
  • AgInt nos EDcl no REsp 1922742/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/10/2021;
  • AgInt no REsp 1847717/PE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 17/09/2020;
  • AgInt no REsp 1.590.570/PB, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/5/2017
  • AgInt no REsp 1.617.675/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13/3/2017;
  • AgInt no AREsp n. 2.017.437/DF, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 23.5.2022;

O Tribunal da Cidadania, como se vê dos precedentes acima, nega, reiteradamente, os efeitos jurídicos da contratação de honorários advocatícios pela entidade de classe, numa visão de que o direito individual se sobrepõe ao direito coletivo, mesmo em face da incongruente aceitação da legitimação extraordinária dos sindicatos para o fim de outorga de mandato para a propositura de ações em defesa da categoria.

Enfim, pode o sindicato outorgar procuração para uma ação coletiva, mas não pode contratar honorários em nome dos substituídos, a quem o trabalho profissional do advogado aproveita.

Essa contradição insuperável demonstra, com a devida venia, uma visão atrasada do direito coletivo e do processo coletivo, que precisa ser revista, sobretudo quando, como no caso, se tem uma orientação jurisprudencial perempta, caduca, ultrapassada que foi por diversas decisões do STF, vinculantes.

Foi o que decidiu o TST, em voto da lavra da Ministra Dalaíde Miranda Arantes, quando preferiu ficar com a interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca dos efeitos e da validade dos contratos coletivos, que, segundo a eminente Ministra, tem perfeita validade e eficácia à luz dos Artigos 7º, XXVI e 8º, I e II, ambos da Constituição Federal.

Disse a Ministra na ementa do Acórdão da Segunda Turma do TST – processo n. TST-RR-1010-18.2017.5.08.0008 – “2- A cobrança de honorários advocatícios contratuais que conta com a aprovação da Assembleia Geral e efetiva participação do sindicato representante da categoria profissional deve, em regra, ser tida como válida, a teor do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, que impõe o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”

Eis a ementa, na íntegra, do referido julgado:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MPT NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS DOS SUBSTITUÍDOS. POSSIBILIDADE.

1. No caso concreto, Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário do sindicato e da OAB/PA para julgar improcedente a ação civil pública. Para a Corte de origem, é válida a cobrança de honorários advocatícios contratuais cumulados com assistenciais. Para ela, o sindicato profissional pode estabelecer contratos de honorários entre os substituídos e advogados, ante a natureza privada da relação, sujeitando-se às regras próprias da liberdade de contratar e da autonomia da vontade.

2. A cobrança de honorários advocatícios contratuais que conta com a aprovação da Assembleia Geral e efetiva participação do sindicato representante da categoria profissional deve, em regra, ser tida como válida, a teor do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, que impõe o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

3. A Constituição da República assegurou a liberdade sindical, vedando ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical. O STF, em recentes decisões, tem reafirmado a prevalência dos instrumentos originados de negociação coletiva, com base na autonomia sindical proclamada pela própria Lei Maior.

4. Portanto, conforme decidiu a Corte de origem, afigura-se possível a percepção pelo Sindicato dos honorários assistenciais concomitantemente com a cobrança de honorários contratuais dos substituídos. Recurso de revista conhecido e não provido.

De fato. No julgamento do RE-RG 590.415, tema 152, de Repercussão Geral,  o Supremo Tribunal Federal assentou que “A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.”

O Ministro Barroso, relator do RE-RG 590.415, frisou que a validade do que decidido pela categoria decorre “da autonomia coletiva dos particulares, que não é via de uma mão só, (mas) de duas, funcionando tanto para promover os trabalhadores, mas também em especial na economia moderna, para administrar crises da empresa e da economia, o que justifica a redução dos salários dos empregados de uma empresa, pela negociação coletiva.”

Em certo momento do referido julgado, frisou ainda, o Ministro Barroso: “É descabida, ademais, a pretensão de manter em favor dos empregados os diversos benefícios assentados em um acordo coletivo, mas suprimir justamente a cláusula que lhes impõe determinado ônus. Quando as partes chegam aos termos de um acordo, levam em consideração o conjunto de direitos e obrigações que se atribuem reciprocamente, de forma que ou acordo é válido na sua integralidade e, portanto, gera todos os custos e benefícios dele decorrentes, ou é inválido e, nesse caso, não gerará vantagens ou desvantagens para quaisquer das partes. (…) Não é possível destacar de uma norma o que interessa e optar por descumprir o resto. Deve-se observar, no ponto, a teoria do conglobamento. Como bem observado pelo Ministro Teori Zavascki em seu voto (O Direito Coletivo do Trabalho no Supremo Tribunal Federal: Planos de Demissão Incentivada e Autonomia da Vontade, Um Estudo de Caso, Ano 44 n 190 junho/2018, pg. 39).

Entretanto, há uma outra decisão, do STF, de efeito vinculante, que deveria, também, orientar o STJ a rever sua jurisprudência.

Trata-se do que decidido na ADPF 165-DF, relatada pelo Ministro Ricardo Lewandowski que, no que interessa, sobre a imposição da honorária a todos os membros da categoria, explicou:

(…)

A adoção de um sistema de honorários contingentes é de suma importância para fortalecer a posição do autor coletivo e, consequentemente, o próprio processo coletivo. Por meio desse sistema, os honorários representam uma porcentagem daquilo que será pago àqueles que se beneficiam do trabalho empreendido pelos patronos da ação coletiva, ainda que não os tenham contratado diretamente.

No caso sob exame, as associações que representam os poupadores naturalmente arcaram, no decorrer desses vários anos ao longo dos quais perdura o litígio, com os custos relativos à defesa dos interesses dos poupadores nas diversas frentes em que foram demandadas. Graças a essa incansável atuação, que, aliás, não se restringiu apenas aos processos judiciais, muitos poupadores puderam ser e ainda serão ressarcidos dos valores relativos aos expurgos inflacionários, fruto da inegável violência jurídica que informou os planos econômicos heterodoxos aqui tratados. Assim, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa justifica que as associações recebam uma retribuição pelas despesas e pelo trabalho prestado. Com isso, visa-se também a garantir que, no futuro, possam agir da mesma forma como agiram até hoje, ou seja, zelando por interesses coletivos e, consequentemente, pela defesa da ordem jurídica.

Acrescente-se, ainda, que, no caso sub judice, as partes acordaram que os honorários recairiam sobre valores efetivamente desembolsados em favor dos credores, o que parece ser o ideal, por alinhar os incentivos da parte e de seu advogado com vistas à efetiva reparação do dano. Quer dizer, os advogados obterão uma porcentagem do valor efetivamente recebido pela parte, sendo assim incentivados a buscar a mais ampla reparação em favor do lesado. Dessa forma, o sistema de fixação dos honorários, tal como estipulado, a meu ver, contribui para maior legitimação do acordo.

Em conclusão, entendo que é responsabilidade do Poder Judiciário e, notadamente, do Supremo Tribunal Federal, superar as deficiências do sistema processual coletivo brasileiro. O aditivo sub judice, tal como o acordo que o precedeu, representa uma oportunidade para que a Corte ofereça a sua contribuição para firmar incentivos reais com o objetivo de estimular as associações a assumirem um papel mais ativo no processo coletivo, já que elas dispõem de vantagens institucionais relevantes para que possam agir em nome do particular lesado. Por essa razão, o trabalho delas precisa ser prestigiado. (grifamos)

O Superior Tribunal de Justiça, cremos, precisa evoluir no assunto, uma vez que “(…) O que realmente deve ter significado é a contradição de o juiz decidir questões iguais de forma diferente ou decidir de forma distinta da do tribunal que lhe é superior. O juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está muito longe do exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da prática de um ato de insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição do tribunal, ciente de que a este cabe a última palavra, pratica ato que, ao atentar contra a lógica do sistema, significa desprezo ao Poder Judiciário e desconsideração para com os usuários do serviço jurisdicional.”[1]

[1]  MARINONI, Luís Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil, Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n. 49, pg. 36, 2009.


Artigo publicado em:

https://www.conjur.com.br/2022-jun-21/marcello-reblin-lei-14365-aplicacao-imediata


MARCELLO MACEDO REBLIN
OAB/SC 6435
Sócio fundador do Escritório Menezes Reblin Advogados Reunidos (1989).

Direito – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (1988)

Sua especialidade é o direito público, destacadamente na área Administrativa-Constitucional

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